Antes do objeto – notas de inventário

um encontro feliz: texto escrito no início do processo de feitura do inventário. um texto íntimo, um texto sem a menor pretensão. um texto-presente de uma trajetória, percurso feliz.
incompleto, por tantas mulheres colhidas no caminho.
uma memória.

O livro pode ser comprado no site da Modular Edições.

Um inventário de tipos é quase um diário

Cresci cercada por fortes mulheres. No núcleo de casa – mãe, duas irmãs – somavam forças com a vizinhança poderosa: de um lado do muro, Dona Neide e Sãozinha me fizeram conhecer Dona Ivone e seus muitos filhos – só uma moça entre tantos bons rapazes criados por ela em meio a dificuldades e boa-fé. Do outro lado, Maristela e Cristina, mãe e filha, mulheres poderosas da linhagem de Dona Stella, outro furacão feminino. Na casa da frente, portuguesa, com certeza!, Dona Alzira abrigava Laura, Monica e Alzirinha. Apesar de o avô ser uma forte referência, foram as mulheres da casa que me conduziram à variedade cultural, aos risos, à gargalhada leve e necessária.

Minhas avós – distantes geograficamente – sempre estiveram presentes: a materna com seu riso fácil e inocente e a paterna com sua força de leoa me apresentaram desde muito nova formas de exercitar o feminino. Tias queridas e protagonistas de suas histórias marcaram minha infância desde que a memória dá conta de acessar minha existência.

Atualmente, avós já não há. Duas sobrinhas ocupam a casa que tem uma cadelinha como animal de estimação. Mãe e irmã caçula dividem o comando da casa em que os maridos – pai e cunhado – executam muito bem o papel de coadjuvantes gratos e felizes.

Desde bem nova gosto de olhar para as mulheres anônimas e imaginar, para elas, histórias e estórias. Invento enredos, calculo afetos e desgostos, crio nomes e situações. Com o passar do tempo e com o ofício de jornalista, dei para botar reparo nos fragmentos de conversa travados por essas figuras aparentemente anônimas.  Em 2011, transformei uma caixa de sapatos em uma urna lacrada e todos os dias tinha o compromisso de inserir ali uma frase captada de alguma mulher. Depois de um ano, abri a caixinha e o reencontro com esses fragmentos deu origem ao Inventário de Mulheres Possíveis, o livro. Ele ainda está, de fato, em processo para a existência: misturam-se a elas as mulheres todas que vivem em mim.

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