Inventário de Mulheres Possíveis

Lançado em Belo Horizonte no dia 12c de agosto de 2017, Inventário de Mulheres Possíveis é meu livro de estreia. 

A escrita começou na tentativa de criar um método. Escrevo desde sempre. Mas eu tinha o receio de publicar, tanto no meio impresso quanto digitalmente, também não submetia meus textos aos concursos literários. Talvez, essa recusa passasse por uma questão que, creio eu, seja muito comum a quem lida com a escrita: o processo contínuo e difícil de edição e alteração do texto. Me propus o exercício de colocar em uma caixa de sapatos vazia, todos os dias, ao longo de um ano, uma série de formulações, começos, esboços, fragmentos colhidos a partir da observação cotidiana. Foi fácil perceber que todos os textos depositados na caixa traziam a mulher como figura central.

Após abrir a caixa, iniciei o percurso de montagem dos textos. Foi como estruturar um quebra-cabeça de peças díspares. O reencontro com as anotações iniciais me ofereceu uma variedade de tipos femininos, de fragmentos heterogêneos. Mesclei características físicas às frases coletadas nas ruas e mergulhei, ao mesmo tempo, na diversidade de figuras que me cercavam. Ao todo, 37 textos compõem a publicação e, cada um, recebe o nome de uma mulher. Os textos foram organizados na forma de um inventário, em ordem alfabética.

Uma das coisas que me chamam a atenção no texto é a estrutura fragmentária da escrita na captura das figuras femininas. Após uma semana de notas colhidas, percebi que todos os trechos traziam instantes, estados momentâneos de pessoas que eu observava nas ruas, todas elas mulheres – imagino que, parte disso, desse modo de capturar o fugidio das cenas e teor dos assuntos tenha relação com a minha formação como jornalista. Talvez essas personagens tenham me encontrado, talvez tenhamos nos encontrado no ponto exato de um chamado, de uma atenção, de algo que poderia ter passado como coisa ordinária. Porque a uma mulher (apenas de passagem) pode não ser exatamente um acontecimento notável, mas eu me ocupei de cada mulher desse inventário, e cada mulher também me ocupou como invenção possível.

O universo feminino  se manteve em todo o processo, desde a feitura inicial dos trechos até a finalização do objeto, inclusive a equipe: assim, editora, ilustradora, revisora, artista gráfica, comunicação, fotografia, todas as parcerias são mulheres. O livro não é um manifesto político, mas, de certa forma, evoca certas vozes de resistência que estão em atrito e confluência com o momento atual. O ‘Inventário’ transita por universos complexos e bastante humanos, ora mais trágicos, ora mais estranhos, ora mais explícitos, ora mais sutis. Penso que, quanto mais mulheres publicarem, quanto mais mulheres se colocarem e se posicionarem mais chance temos de abrir uma outra percepção de mundo que altere o retrato padrão, convencionalmente traçado pela predominância de uma visão masculina.

A parceria com a Julia Panadés passa tanto pela edição dos poemas quanto pela criação dos desenhos: Julia diz, do processo: “Fiz a leitura do ‘Inventário’ várias vezes antes de começarmos o processo de edição e a simultânea criação dos desenhos. As leituras prévias e o longo processo de edição me alimentaram de sensações, figuras e cenas que serviram para a feitura dos desenhos. Desde o começo eu tive a intuição de que as imagens trariam elementos dos reinos humano e vegetal. Inicialmente seria o corpo feminino no híbrido com a planta. A ideia das mãos me veio quando tentei incorporar o que as mulheres inventariadas me ofereciam, seus modos de olhar, gestos, tempos, temperamentos.

Os desenhos das mãos são inacabados, mas suficientemente traçados para compor com a atmosfera das personagens. A atenção do traçado às fibras e à textura das superfícies observadas conta com o uso da caneta esferográfica, ferramenta que oferece uma qualidade gráfica e uma gradação de intensidades que vai do mais suave ao mais escuro. “Semente, fruto, ramo, flor, folha e raiz são alguns dos elementos que dividem com as mãos e os textos o diagrama do livro. Diferente do caráter inacabado dos desenhos das mãos humanas, os elementos vegetais são objetos retratados mais integralmente, são corpos de limites tateados e texturas exploradas, como se precisassem ser salvos de uma condição efêmera.”.

O livro está à venda no site da Modular edições.

Imagem: duvulgação Modular Edições
Vídeo: Papelícula

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